sábado, 2 de setembro de 2017

Mães de anjos: mulheres falam sobre perda gestacional e luto 'invisível' para a sociedade

  

Já não há mais batimentos cardíacos, apenas um silêncio perturbador. Para a sociedade, talvez o luto seja invisível, mas para quem sofreu uma perda gestacional, não há como superar a ida de um bebê que nem chegou a conhecer o mundo. A reportagem do Cada Minuto ouviu relatos de mães que, recentemente, passaram pela dor de perder os bebês que agora são chamados de anjos.
Falar sobre perda gestacional ainda é considerado um tabu, mas segundo especialistas, o óbito fetal atinge entre 15% e 20% das gestações. A psicóloga Ana Éryka Guimarães, 32 anos, estava com 10 semanas de gestação quando foi surpreendida com alguns sangramentos. Após três semanas, veio à perda do seu filho, a quem chamou de Bernardo.
Éryka teve uma febre e após esperar mais de 1h em um hospital particular, ela foi direcionada para uma ultrassom que identificou que já não havia mais batimentos cardíacos do bebê. 
“Foi terrível, mais difícil que entender que ele tinha morrido, era tirá-lo de dentro de mim. É um pedaço meu que estava indo e eu não entendia isso, a dor da perda não tem como mensurar”, comentou a psicóloga. 
De acordo com ela, durante os três dias que esteve no hospital, não houve a presença de nenhum psicólogo para falar sobre o tema, mas o apoio da família e da sua terapeuta particular ajudou que ela seguisse em frente.
Segundo ela, foram três semanas sem trabalhar, com exercícios terapêuticos e presença da família ao seu redor. “A gente não supera, nós nos adaptamos a viver sem. Junto com o filho que você perde, vai todo o futuro que você tinha sonhado. Só entende quem passa pelo mesmo sentimento”, comentou Eryka, que foi adicionada por uma colega a um grupo de mães que sofreram perda gestacional.
Neste grupo, Éryka ouviu o relato de outras mães que tinham perdido o bebê e foi quando sentiu que tinha sido entendida. “Apesar de eu sentir a compaixão de todos ao meu redor, existia um olhar de exageros. A sociedade acha que a mulher só está grávida quando a barriga fica grande, mas a mãe sente desde a sua primeira formação”, ressaltou.
Para Éryka, a terapia foi fundamental para que ela continuasse vivendo e para entender que mesmo indo embora cedo, o filho ainda é dela. “A terapia me ajudou a entender que existe um sentido dele em minha vida. Hoje em dia tenho dois filhos, sendo que um está no céu”. 
Anjo
Maria Sol Aragão, 28 anos prefere chamar o filho de anjo e compartilhou com a reportagem a dor de perder uma parte dela. As lágrimas e a emoção tomam conta dela mesmo após quase um ano da perda gestacional. Para ela, é muito complicado ser uma mãe órfã e não ser vista como mãe devido à perda.
“As pessoas nos tratam como se aquilo não tivesse acontecido, o aborto para quem não vivencia é difícil e elas acham que a mulher tem obrigação de superar e ter outro filho para substituir, mas como vou substituir alguém? Eu posso ter dez filhos, mas nenhum vai ser meu primeiro filho”, disse emocionada.
(Vídeo de quando Maria Sol descobriu que estava grávida) *veja vídeo no link da matéria abaixo.
“A sensação do primeiro filho, eu não vou ter mais. No hospital, era o sentimento que me dava, de ser uma mãe órfã. Nós somos mães de braços vazios e as pessoas nos menosprezam”, ressaltou.
Foi na madrugada do dia 01 de novembro de 2016 que Maria Sol percebeu que estava com sangramento. Juntamente com a mãe, ela foi para o hospital em União dos Palmares e na unidade de saúde, não havia aparelho de ultrasom. O obstetra de plantão fez o toque que, segundo ela, foi uma invasão ao corpo dela. 
Devido à falta de estrutura e a falta de aparelho que realizaria o exame, Maria precisou ir até Maceió para um hospital particular onde foi diagnosticado que o bebê não tinha mais batimentos cardíacos, mas o hospital alegou que ela estava na carência e a encaminhou para outro hospital particular na capital. 
Desde a madrugada, Maria estava tentando entender o que estava acontecendo. Já no horário da tarde, após passar horas esperando ser atendida no segundo hospital particular, ela voltou para o hospital de União dos Palmares e pagou R$ 800,00 para que fosse feita a curetagem. Segundo ela, foi um total de 36h entre idas e vindas de hospitais.
Para Sol, não há como lidar com o luto. “Agora em agosto faz um ano que engravidei e em novembro faz um ano que eu perdi, mas é como se fosse tudo tão presente, sabe? Eu acredito que mesmo que eu chegue a ser mãe novamente, esse momento e sensação nunca vai deixar de existir. Uma mãe órfã é uma alma sozinha”, disse.
“Eu soube como é ser mãe por quatro semanas que foi o tempo que o anjo ficou dentro de mim. Foi aí que eu soube o que era amor de verdade”, concluiu dizendo que, devido à perda, desenvolveu síndrome do pânico.
Juntas pela dor
Juntas pela mesma dor e com a vontade de ajudar às mulheres que passaram pelo processo de perda gestacional, a acadêmica de nutrição Márcia Torres, 33 anos e uma amiga criaram um grupo online chamado de Amanhecer. 
Com mais de 130 integrantes no Facebook e pouco mais de um ano, mães e pais tem a oportunidade de ter um espaço aberto para falar sobre o luto, questionamentos e principalmente apoio a todas que possuem o mesmo sentimento.  Sendo o primeiro grupo em Alagoas sobre o tema, ele é voltado exclusivamente para famílias que passaram pela perda gestacional.
Segundo Márcia, a sociedade não entende a dor dessas mães. “Nós, quando sabemos que estamos grávidas, imaginamos como era o bebê e perdê-lo, independente de quantas semanas, é acabar com esse sonho. O objetivo do grupo é entender que você não está só”, contou a representante do grupo.
Com encontros presenciais em datas comemorativas, o grupo também conta com duas psicólogas para ajudar e indicar algum tratamento quando o período de luto está se sobressaindo. “Pedimos sempre empatia, que pessoas curiosas acessem nosso blog, mas o grupo é um espaço para compartilharmos apoio entre nós”, disse Márcia.
Com o objetivo de orientar sobre o tema, o grupo Amanhecer recolheu informações e até falas sobre o que não é indicado se dizer ou fazer com mães que tiveram a perda, seja em locais como hospitais ou até conversas entre amigos. Você pode conferir no blog clicando aqui.
A dor não está apenas no corpo
A psicóloga especialista em luto, Jully Barbosa, disse à reportagem do Cada Minuto que devido à perda ser repentina, o psicológico da mulher é afetado e não há como medir dor de luto. “Não existe luto maior ou menor, por exemplo, é mais fácil encontrar um sentido quando uma pessoa idosa morre, mas quando a perda é repentina e violenta para a mãe que perdeu o bebê, se torna um momento difícil para se adaptar a nova realidade”, comentou.
A especialista enfatizou que o luto é um processo normal e singular, porém, quanto mais significativo o vínculo, maior vai ser a dor da perda. Segundo ela, o luto carrega sintomas junto a ele que no primeiro momento são considerados normais: pensar em suicídio, ficar deprimida, ter insônia ou ter sono demais, choro e sintomas físicos. 
“Nos primeiros meses é natural que aconteça isso, mas se com o passar do tempo não houver progressão nos sintomas e nem movimento no sentido de uma melhora, aí sim merece uma atenção especial”, disse Jully que explicou que há dois tipos de luto.
De acordo com a psicóloga os lutos podem ser classificados como normal e complicado. O luto considerado normal é quando a mãe que perdeu o filho passa por sintomas físicos e emocionais, tristeza, choro e dor. Já o complicado é quando a pessoa “finge” que não aconteceu nada e segue a vida, porém, a psicóloga alertou que essa pessoa pode, futuramente, ter outra perda e “desabar”. 
A profissional também disse que a sociedade não gosta de falar sobre quem já morreu e muitas vezes, as pessoas falam o que a mãe que teve a perda gestacional não gosta de ouvir, ela alertou sobre o que não deve ser dito a essa mãe. Segundo ela frases do tipo: “daqui a pouco você tem outro filho”; “foi melhor assim”; “imagina se tivesse nascido doente” e “eu imagino como você está sofrendo” devem ser evitadas.
“Esteja à disposição para ouvir e abraçar a pessoa, isso basta. A mãe precisa ter um tempo para escolher o que fazer com os objetos do bebê. Às vezes, é importante que ela tenha alguma recordação como a marquinha do pé carimbado, algo do tipo. É preciso que seja dado um tempo para que a mãe possa digerir a dor, uma nova gravidez de imediato não é aconselhada”, enfatizou.
O que diz a medicina?
A ginecologista obstetra Jaqueline Cardoso disse que uma das principais causas da perda gestacional são as alterações cromossômicas. De acordo com ela, um embrião sofre alterações que levam ao abortamento. Já o abortamento de repetição também influencia. “Se ela já teve outros abortos pode aumentar o risco dela ter outro, além da idade avançada”.
Tipos de aborto
A obstetra disse que existem tipos de aborto clínico. “Há o aborto em que a mãe elimina o feto de forma completa, neste caso, é feito o exame de controle para saber se existe algum risco para a mãe e existem os casos que o aborto é incompleto que fica material dentro do útero. Neste caso, é preciso fazer a curetagem para retirar o material e ela não ter infecção”, informou.
Além disto, a médica também disse que existem os casos que o embrião fica morto dentro do útero, mas o organismo não elimina. “Aí utilizamos medicações para que haja expulsão e depois a curetagem. Até 20 semanas de gestação ou quando esse peso é menor que 500g consideramos aborto. Então nessa situação, a família não fica com o corpo e sim, o hospital. Quando é mais de 500g ou mais de 20 semanas, a família tem acesso ao corpo para que seja feito o velório”, comentou.
Sobre uma nova gravidez, a médica disse que dependendo do ciclo da mulher, já é possível ter uma gravidez normal após o aborto.
http://www.cadaminuto.com.br/noticia/308994/2017/08/28/mae-de-anjos-mulheres-falam-sobre-perda-gestacional-e-luto-invisivel-para-a-sociedade

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